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domingo, 2 de junho de 2013

Pedaços de um tarô de dois.



I
Criei-vos como um. Criei-vos com quatro pernas, quatro braços, duas cabeças e apenas uma alma. Criei-vos perfeitos. Criei-vos sem sexo. Sendo apenas um não há necessidade de dois. Os fiz completos, simbiontes. Mas a humanidade de vários únicos estagnou-se. Não houve história, apenas tempo. Não houve desejo, o ser era completo e portanto nunca buscou nada. 

Criei-vos como um, mas fiz dois. Separei-vos para que buscassem um ao outro. Separei-vos e os fiz sozinhos. Lhes dei olhos pare que se enxergassem, quando se vissem pensarem “É você”.

II
- É você.
- Eu o que?
- Você só.
- Eu só o que?
- Você, só.
- Faz favor de falar alguma coisa que faça sentido!

III
Rezei à Deus pois estava sozinho.
Rezei pra quê, Deus?
Rezei pra que Deus?

IV
...do outro
Cantaram juntos. Fecharam os olhos. Beberam. Sorriram. 

Por um segundo o bar pareceu ficar em silêncio. A música dos alto-falantes desligou, mas as vozes continuaram. O barulho branco do som que não davam importância ao desaparecer os fez se olharem. Ouviram algumas notas soltas no paraíso do silêncio das vozes que falavam no lugar. Um baixo sendo afinada, o guitarrista aquecendo os dedos. Como um predador que se prepara para atacar a presa e ouve seu próprio coração bater eles ouviram o segundo em que os instrumentos eram ajustados. 

Falaram juntos:
- Vem que a banda vai começar.

Até parece que um completava os pensamentos...

V
Vê.

VI
- Eu tive um sonho.
- Que sonho?
- Tinha uma cigana.
- Eu adoro ciganas.
- Ela falou que eu precisava procurar alguém.
- Quem?
- Meu inimigo.
- Como assim inimigo?
- Não sei, eu não encontrei.
- Onde era para ele estar?
- Ela disse para eu andar quatro quadras e virar à esquerda na linha do trem.
- Eu sei onde fica.
- Sabe?
- Vem que eu te levo.
- Mas eu tenho medo.
- Você vai estar comigo.
- Tá bom, minha cigana.

VII
Esta era para ser a última carta. Mas lhe deixo apenas seu número favorito, seu nome escondido e um afago.

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