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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mantenha os Lobos à porta.

Sempre tive medo de cães. Até o dia em que olhei-me no espelho e vi-me como um lobo. Tenho o sangue de um. Fui criado por um.

Esta não é uma história com final feliz. Tampouco triste. É apenas sobre como as coisas deveriam ser.
As fábulas contam assim:

As florestas sempre foram hostis. A natureza imperdoável sufoca vagarosamente a vida que lhe teima em crescer por entre os galhos. Pássaros, insetos, veados e roedores. Todos viviam à mercê da natureza selvagem que era a floresta. 

E haviam Lobos.
Um casal de Lobos e sua matilha.
Como havia de ser, estes lobos eram filhos dos lobos que há muito viviam por lá, estes filhos eram filhos dos filhos, dos filhos, dos filhos, dos lobos que sempre viveram lá. Os Lobos, enfim, viviam sua vida de lobos. Caçavam, voltavam às tocas, davam de comer aos filhotes. Sempre fora assim. O Velho Lobo todos os dias saía da toca, aventurava-se na floresta, por vezes voltava machucado, cansado, mas sempre tinha algo para alimentar os filhotes. Cada dia o Velho Lobo afastava-se mais, ficava mais difícil arrumar a caça para os filhotes. Mas como devia de ser, os filhotes nunca passaram fome. Assim, eles cresceram, tornaram-se fortes graças à caça do pai. E como são as coisas, o Velho Lobo envelhecia, cada vez mais a caça ficava mais difícil. Porém, o Velho Lobo ensinara os filhotes a caçar, agora os filhotes tinham meios de alimentarem-se sozinhos. E assim, todos os dias, os Lobos saíam da toca para caçar. Os Jovens Lobos agora tinham as suas próprias maneiras de alimentarem-se. E assim, como devia de ser, os Jovens Lobos cresceram, caçaram, e tiveram filhos. E os filhos também tiveram filhos, que também tiveram filhos. . . 

Tudo por terem aprendido a caçar.

A pelagem espessa cresce negra na minha cara. Meus olhos castanhos encaram no espelho o Lobo que vai em busca da caça todos os dias. Enquanto as madeixas do Velho Lobo tornam-se cinzas o Jovem Lobo torna-se cada vez mais forte. Graças às lições do pai, o Jovem Lobo vai em busca da própria caça. Constrói a própria vida sobre os alicerces das lições de caça do pai. Caminha, espreita pela floresta em busca da presa, luta, corre pelos campos, tudo de acordo com as lições do Velho Lobo. Sem medo.

Muito obrigado Velho Lobo, por ter me ensinado a caçar. 

Mantenha os medos sempre perto
Mantenha os lobos à porta.
Cace-os, senão caçam você.

Texto Curto - III

. . . novamente.

Mais forte que qualquer cigarro que já traguei. Com seu nome invadindo meus pulmões, entrando peito adentro. A fumaça sairá serpenteando encaracolada pelo meu nariz, enevoando meus olhos feitos seus cabelos que me cobrem. As mãos tomarão lugar nas ancas. Arrancarão suspiros, afagos, gemidos e lufadas de fumaça. A névoa encobrirá as janelas, a fina película de suor filtrará a luz opaca da rua. Assim como o suor que lhe gruda nos seios, uma fina gota escorrerá da vidraça perfeitamente branca da sua pele. Invada-me, viola-me, destrua-me. Queime meus pulmões, arranque todo o meu ar. Até que no fim fique no meu peito apenas teu nome. Gemendo sôfrego, pedindo por favor que me ame. As mãos tremerão, as pernas fraquejarão. O vício irá alimentar o tesão.  Alimentarei-me de ti. Até que as forças se esvaiam, jazeremos cansados no chão, arrastando-nos trôpegos pelos lençóis, encharcados, úmidos, molhados, enevoados e bêbados de nós. Como o cigarro fumado até o filtro largaremo-nos ao chão, com fumaça saindo dos pulmões, fraca, esvaindo-se, até apagar. Ficarão as cinzas espalhadas no chão. Até que novamente, alimentando o vício, acenderei o isqueiro, darei a primeira tragada de ti. 

E tudo começará . . .