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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Bullet With Butterfly Wings

        Esta é a história de amor mais bonita que você já viu.
        Esta é a pior história de amor que você um dia vai ler.
        E isso, isso não é amor.
        Amar doentio assim vale a pena?

        "Me arruma uma carteira de cigarros que eu te pago um boquete." - E você vê. Vê os pés sujos. Vê-os descalços. Vê a saia encardida de toda a imundice das ruas. E ela tem a cor da rua. O céu é cinza. E a pele suja tem a mesma roupagem do concreto, do asfalto e do céu.
        "Não, obrigado." - E você para, se vira e intrigado pergunta. - "Eles te pagam tão mal assim?" - Ela é feita de todas as suas síndromes. Ela é feita de todos os seus medos. Ela é feita de tudo o que você sempre escondeu. Tudo o que você sempre evitou.
        Ela é só uma puta de esquina. Uma piada.
        "Não são eles que me pagam mal, é que você é caro para mim." - Os braços parecem um esqueleto embrulhado em seda. A carne pende frouxa nos braços, mal há músculos. Os tendões são cabos de aço repuxados entre as fendas da carne. Mas essa seda tem fios puxados. E na brancura cor de cera uma dezena de pontos vermelhos destacam-se. Feridas criam casca. Queimaduras, picadas. Chagas vermelhas perdidas em uma imensidão de dor.
        E ela era suja.
        "Caro como?" -Ela te olha nos olhos. Por entre os cabelos castanhos imundos você vê as pupilas dilatadas e a pequena íris que desenhavam um contorno minúsculo de azul.
        Ela aproxima-se. Passo-ante-passo veio caminha até você.
        E você tem medo. 
        Os pés descalços ignoram a sujeira, os cacos, e pisam sobre jornais molhados na calçada.
        E ela vinha. Vinha com um sorriso. Vinha com as mãos à frente.
        E ela toca o seu rosto.
        Você sente o gelado das mãos.
        Como se te pegassem pelos cabelos e enfiassem sua cabeça em um balde de gelo ela diz:
        "É mentira. Você não é especial."
        "E você é só uma vagabunda de esquina." - Você lhe responde.
        
        Os segundos passaram-se como se fossem eternidade. E neste tempo vulcões explodiram. Tempestades assolaram os mares. Icebergs despedaçaram-me. Continentes inteiros moveram-se. Gerações e gerações povoaram a terra.
        E ela te olha.
        Te olha com as íris minúsculas.
        Te olhava com as pupilas dilatadas.
        Ela era só uma piada de mau gosto.
        Começou quando eu vi Marla.
        Começou quando eu li Tristessa.
        Começou quando eu li Christiane F.
        E ela era a mistura das três.
        Ela era só uma vagabunda de esquina.
        Uma piada.
        
        "Esse é o elogio mais sincero que alguém já me fez." - Ela Sorri.

        Perca seu carro. Perca seu emprego, sua casa. Sua dignidade.
        Mas não perca o amor da sua vida.
        
        Pergunte-a se ela quer tomar um café. Você lhe deve cigarros.
        Perca seu medo.
        E uma vez na vida, saia da sua zona de conforto.
        Perca os sentidos.
        
        "Quer tomar um café comigo? Eu te pago aqueles cigarros."

        Onde você estava com a cabeça?
        "Sabe, aquela parte do boquete. . . Não precisa." - Você tem medo.
        "Você não entendeu quando eu disse que você não era especial, né?" - As mãos dela tremem enquanto ela coloca açúcar no café. Os pequenos cristais espalham-se pela mesa toda, irradiando pequenos pontos de luz fluorescente contra o revestimento de fórmica. Feito as pupilas. Pequenas íris irradiando luz no fundo de fórmica preta.
        "Que marca você quer?"
        "Marlboro Light, por favor."
        Você entrega os cigarros, ela parece um animal sedento. Uma triste criatura que só queria se entorpecer. Com selvageria ela abre o maço. E ainda dentro da cafeteria ela acende o primeiro cigarro.
        Quem diria que esse cheiro iria ficar encrustado na sua vida.
        "A gente se vê de novo?" - Enquanto ela pergunta você vê fumaça saindo pelo nariz.
        "Se lembra do que você me deve?"
        Ela era só uma piada.

        Perca tudo, mas não perca o amor da sua vida.

        E assim, cada um vai para o seu rumo.
        Aparentemente vocês seguem as suas vidas.
        Vocês esperam nunca mais se encontrar. E vocês acham que na memória só vai ficar a sujeira dos pés, o gosto do café e o cheiro dos cigarros.
        Mas não.
        Afinal, ela era uma piada.
        Mas uma piada muito bem contada.
        Tente contar esta história depois que seus dias forem novamente todos iguais. Depois que sua vida voltar a seguir o fluxo cotidiano.
        Você é monótono. Ela é suja.
       
        Perca tudo.

        Tente dormir. Mas se lembre dela. Não durma. Sinta o cheiro de cigarro nas suas mãos.
        E todo dia, você vai levantar, não vai acordar pois você não vai estar dormindo, e vai arrumar-se. Vai colocar seu terno e vestir a sua rotina.
        E todo dia você vai passar por lá.
        Esperando ouvir. - "Me arruma uma carteira de cigarros."

        Mas você não vai ouvir.
        Você perdeu tudo.

        Até o dia em que você sair do café e ouvir. - "Ei, eu ainda te devo algo."

        Continua.

2 comentários:

  1. Muito bom.
    Na realidade ja dei umas passeadas no seu blog, e gostei bastante. Você escreve muito bem. Admiriável Bilk.

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  2. encontrei uma resposta para um dos seus textos no blog girl sets fire e estou encantada com sua escrita, tocou na alma ou em algo mais.
    Parabéns!

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