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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Pra não ficar pra trás.

Texto escrito sob a hiperatividade causada por samba, muito café, e um pouco do som de ukulele. Escrito em uma tarde cinza, de uma terça feira de agosto.




        Pra não ficar pra trás eu resolvi te escrever. Não pra ficar quite, nem pra competir. Só pra falar da felicidade que tu me causa. Pra retribuir a sensação de quando eu te leio. Da sensação que tu tem em mim. E em uma tarde de agosto, sob o céu laranja, eu me peguei repassando mentalmente aqueles nossos dias, as nossas conversas. Minuciosamente, com traços de Anne Rice. 
        Talvez seja pra trazer de volta tua sensação em mim. Talvez porque eu ainda tenha tuas unhas escritas nas minhas costas, ou algum cabelo teu perdido na minha jaqueta. Talvez pra lembrar daquele cheiro no teu pescoço, e da penugem das costas se eriçando com a minha respiração e beijos. Pra ouvir novamente tu falando das minhas mãos, ou pra sentir novamente tu "acariciando minhas linhas"; Pra sentir tuas mãos tremendo por causa do frio, do café, ou até de mim, quem sabe. E ver tu se esquivando do meu romantismo só porque isso faz parte do "plano maquiavélico"; Ou então, pra sentir teu corpo pequeno no meu. Meu medo contido de ser um rude e machucar tua constituição aparentemente frágil. Minhas mãos segurando teus quadris, as tuas unhas lacerando minha carne superficialmente. Tua pele quente na minha, nossos corpos juntos no chão gelado. Mas eu sei que tu não é "frágil", e sob hipótese alguma tu admite ser, teu corpo esconde muito mais do que essa tua língua ferina. Muita coisa da qual eu ainda vou descobrir.
        E depois de um episódio desgraçado na minha vida tu me apareceu, como que sempre esteve lá mas só se fez notar no momento certo. Alguns livros emprestados, e depois disso tu me teve em tão pouco tempo. A paixão arrebatadora, o ópio dos poetas arrebentou a minha porta à chutes, entrou, inundou, tomou conta e agora não quer mais sair. 
        Isso. É isso, não quer mais sair. E eu não vou deixá-la sair. Eu me agarrei à paixão, ao som da tua voz, às pupilas sem fim de poço-sem-fundo que só fazem me chamar, o contorno da aresta do sorriso, ao café-cheio-de-açúcar. E meus assovios perdem-se no vento junto com as ondas de rip tide. As palavras enredadas que tu escreve cheias de devaneios e contornos, embaraçadas feito teu cabelo enrolado, das quais eu tento extrair cada minúcia, cada sentimento. E no fim só têm nós. 
        Só pra não ficar pra trás.


Eu me ative a isso.
Eu me ative a ti.
Eu me tive a ti. 
Me chamei de teu. 
Te chamei de minha. 

domingo, 28 de agosto de 2011

Tua epifania.

Escrito no final de agosto de 2011. Teus agostos tão atribulados das tardes cinzas.






       E tu me falou: "Me fala uma lembrança da sua infância"; E isso foi o catalisador do meu estado. Primeiro, as piadas. Depois as lembranças mais antigas do chão vermelho. Os três dedos do aniversário. Alguma luz, e a casa sempre bem iluminada nos primeiros meses do ano, alguns doces, e a páscoa. Toda aquela vida que eles preferiram deixar para trás, que um ano e meio ainda reteve na memória. Depois disso, do início, do estopim, a torrente de palavras deslanchou. Te falei das árvores que não conseguimos abraçar, te falei da vida que já havia passado muito tempo. Da voz das professoras do primário, e novamente do chão de cimento colorido. Tanta coisa que passava na mente, e que as palavras não eram rápidas o suficiente para dizê-las, dos pneus coloridos, do chão de madeira, do xadrez. E num estado de semi-raciocínio a mente simplesmente funcionava em outra frequência, as imagens sapecavam e as mãos rápidas tentavam acompanhar todo o fluxo. E tu simplesmente me dizia: "Continua"; Eu continuei. Eu tirei o coração da gaveta e comecei a escrever.
       Te falei dos medos, da origem das fobias. Te falei de deus, do karma, e do que não é destino. Te falei das coisas que nunca ninguém jamais tivera alguma noção em mim. Tu foi no íntimo das minhas tormentas só ouvindo as minhas palavras. Te falei do talento, do orgulho, do dom desperdiçado e da frustração acumulada nas lágrimas dos olhos, da música. Te falei da promessa e do dever. 
       E depois disso já não era nada mais real, nada mais pertencia ao "espaço-tempo-contínuo", a alma já dispersara-se, saía de mim, corria pelas mãos e simplesmente escrevia. Alguma tontura, os olhos turvos e depois dos meus medos tu me disse, longe da tua linguagem ferina: "Eu poderia te beijar pela eternidade"; Mas agora aquilo tudo já não eram mais os teus beijos. Era tudo o que tu tinha me causado. Tuas palavras que puxaram o íntimo de mim, escancararam a minha moral, tu me conhecendo onde nunca mais ninguém já tivera ido. E chacoalharam com todos os meus pensamentos: ". . . uma lembrança. . . "; Não eram mais teus seios nos meus lábios, minha pseudo-barba arranhando teu rosto, a respiração no teu pescoço, tuas unhas na minha carne, a mordida na minha pele. Eram só as palavras que tu tinha me feito falar. Não eram lembranças. Simplesmente não era nada. Era algo longe de tudo que tu já tinha me feito sentir.Longe de tudo que alguém já tivera me causado.  Um simples pedido e a alma escorria por toda a verborragia. Era eu, desembrulhado em palavras. 
       E a música me disse: "Onde você me leva, nem deus andará."
       Eu falei de amor, falei de futuro. Falei da sensação que tu me causa, do inevitável.
       E tu me teve tanto, em tão pouco tempo.
       A epifania. 
       Tua epifania. 
       Eu, teu. 
       Tu, minha.

E quando alguém nos faz sentir assim nós temos que agarrar a oportunidade com todas as forças, com todo o ímpeto de vontade e nos entrgar.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Coffe & TV.

Texto escrito por volta de janeiro de 2011.






       “Eu já te falei da história das fotos e das pessoas?” - Perguntou ele, enquanto arrumava as coisas para fazer café. - “Filtro. Coador. Pó. Liga a água. Espera.” - Pensou ele realizando movimentos mecânicos.
       “Como assim? - Ela, sentada em uma cadeira branca de pés de metal.
       “É, pra mim as pessoas são como fotos.” - Respondeu ele, sem se importar se ela entenderia ou não a analogia.
       Estavam na cozinha da casa dele, ela dormiria lá naquela noite. O sol começara a se por, tornando o céu um grande emaranhado de nuvens laranjas. Tinham acabado de chegar, primeiro veriam um filme depois dormiriam juntos. Na verdade não prestariam atenção alguma ao filme, ficariam apenas debaixo das cobertas um aquecendo o outro.
       Ele vestia um par de coturnos, cortados na altura dos tornozelos. Vestia  também uma camiseta branca por dentro da calça jeans. A jaqueta de couro que outrora usara estava em cima de uma das cadeiras. Costumava usar aquela jaqueta com a gola levantada, feito o jovem transviado de James Dean.
       Ela, de pernas cruzadas olhava-o com olhos curiosos e cílios meticulosamente maquiados. Cabelos negros recém cortados na altura dos ombros. Ele olhou-a durante alguns segundos. Olhar fixado nos lábios cor-de-carmin. Era hipnotizante. Os rubros lábios moveram-se e quase que sussurrando ela perguntou:
       “Como assim fotos?” - Dando uma ênfase desnescessária, ansiando uma resposta rápida.
       “É, fotos.”
       “Fala mais.”
       “Eu já conheci tanta gente, já tive momentos bons com tanta gente. Já tive tantas pessoas que eu nunca mais vi na vida.”
       “E aí?”
       “E aí que pra mim elas são como fotos.”
       “Tá, mas você ainda não explicou.”
       “Elas são a lembrança de um momento bom. Cada pessoa que um dia passou por mim é uma lembrança congelada de um momento. Como uma foto.”
       “E pra você eu vou ser só mais uma foto?”
       “Não, você vai ser o álbum todo.” - Supresa com a resposta ela não soube o que responder. Ele continuou: “Nosso álbum de família. Nossa família juntos.”
          Ela sorria, ele olhou-a e deu-a um beijo rápido.
- “O café está pronto.” - Disse ele servindo uma xícara.

Listen the things we said we'd do tomorrow.


Texto escrito por volta de Fevereiro de 2011.


       Fazia uma semana que o inverno começara, trazendo consigo suas aconchegantes roupas de frio. As árvores já haviam perdido suas folhagens na estação passada, agora eram apenas espectros secos de vida, apenas galhos secos e retorcidos chacoalhando ao vento constante. O céu tornara-se cinza, criando uma morbidez crescente na face dos transeuntes, passavam velozes cada um em direção a seus respectivos destinos. O caos de gente era apenas uma desordem aparente. Cada um tinha seu objetivo, seu destino.
       Os dias eram escuros, gelados, silenciosos demais.
       Esses dias faziam-o lembrar da “Velha Época”. Época que ele e a sua Katie estavam recém enamorados. A nostalgia vinha-lhe à cada vez que saía de casa. Via as pedras pretas e brancas das calçadas do centro da cidade, lembrava-se do som dos seus sapatos ecoando pela rua deserta, do som das passadas dela, curtas, de salto alto, rápidas e ritmadas. Ela com seus lábios escarlates, às vezes de batom, às vezes de vinho. Era uma paixão recém formada, de época na qual não tinham preocupações. Na verdade tinham, mas nada que fosse o definitivamente terrível. Eram jovens, eram despreocupados com tudo.
       Cigarros e garrafas permeavam seus encontros. Entre beijos apaixonados, abraços apertados, risos contidos e latas amassadas eles criaram o prelúdio de um incomensurável romance. Romance tal que perduraria durante muito tempo.
       “Sabe, eu acho que por mais que eu tente, eu jamais vou encontrar em absoluto a forma certa de te dizer o quanto eu te amo.” - Disse ele, logo após tomou um longo gole de cerveja.
       Ela tirou o cigarro da boca, deixando uma marca de batom no filtro - “Já basta, apenas um ‘eu te amo’ já basta.” - Disse ela, antes de retornar o cigarro aos lábios.
       “Afinal, no final nós só precisamos um do outro. Nada mais.”

domingo, 21 de agosto de 2011

O último tango da noite - I

Primeira parte da históra escrita em parceria de Verônica Hiller, do Girl Sets Fire. Ao som de muito Carlos Gardel, Vanguart e Nelson Gonçalves.


        A rua lá fora já começava a demonstrar algum movimento. Nas primeiras horas da manhã o sol já batia através da janela do quarto. O apartamento era relativamente velho. Já começava a demonstrar os primeiros sinais do tempo. O chão de madeira já estava bem riscado devido aos saltos dos sapatos dela. Na parede haviam manchas de água escorrida e alguma infiltrações. O forro de madeira também demonstrava manchas de água. Deviam haver goteiras no telhado.
         No quarto haviam roupas espalhadas pelo chão. Algumas coisas quebradas. E poucos móveis. As portas de um guarda-roupas abertas. A cama com a garota deitada. E uma grande estante de livros. Mas faltava uma cortina. O sol matinal batia diretamente sobre o assoalho de madeira. A luz refratava nos cacos de vidro espalhados pelo chão. Pequenos espetáculos em forma de estrela que não tinham espectador algum.
        Um disco quebrado no chão. Os cacos negros do LP haviam sido pisados de forma descuidada. O tocador estava em cima da estante, junto com uma coleção de outros discos.
Da porta do quarto podia-se ver a sala. Era um cômodo insuportavelmente arejado. Com excesso de vento. Se uma janela estava aberta o frio e o vento tomavam conta do ambiente. Viam-se alguns quadros na parede. Imagens frias, cinzas, com pinceladas fortes. Era algo expressionista. Triste. Perto do cavalete haviam algumas telas recém preparadas, apenas esperando pintura. Uma estante abrigava toda a gama de tintas. O assoalho estava sujo com pegadas de tinta, manchas coloridas, e riscado. Uma caixa de giz-de cor estava aberta no chão. Fora meticulosamente arrumada pela ordem das cores. Mas faltava uma das cores.
       Na cozinha haviam os maiores reflexos da noite anterior. A comida juntava moscas nas panelas, pratos sujos em cima da mesa. Mais taças derrubadas no chão e quebradas. Algumas garrafas todas juntas em um canto.
       O sol da manhã começou a caminhar lentamente sobre o quarto. Com o tempo ia chegando cada vez mais perto da cama da garota. Até pousar sobre o rosto dela, acordando-a. Ela abriu os olhos. Piscou algumas vezes e deu um pulo da cama. Procurava alguma coisa.

Você transformou meu tango nesse carnaval.

Texto da série "isso não é amor"; Escrito por volta de fevereiro de 2011.


          James e V. Namorados. Ex-namorados? Não sabiam. Durante muito tempo o relacionamento deles fora permeado de uma crescente impulsividade. - “Foda-se, eu já não quero mais saber nada de você.” - Disse ela, caminhando a passos largos e batendo a porta. Eles conheciam-se bem demais. Ele sabia da impulsividade dela, logo logo o remorso chegaria e ela bateria à sua porta denovo. - “Eu sei, agente brigou, mas eu estou disposta a denovo esquecer disso e seguir adiante.” - Beijavam-se calorosamente, e prosseguiam como se nada tivesse acontecido. Quantas vezes isso já não tivera acontecido? Nunca fora o fim derradeiro.
          Cabelos pretos curtos, olhos verdes, e a dúvida de que se dessa vez ela realmente iria voltar. Sempre brigavam por quaisquer que fossem os motivos. Ele era orgulhoso demais, ela explosiva. Estava tentado à pegar seu celular e ir atrás dela. Mas não. - “É só mais uma daquelas brigas, agente vai se resolver denovo.” - Ela estava demorando a voltar. Discou os números sem olhar, já discara tantas outras vezes, era puro movimento de inércia. O telefone tocou algumas vezes. Ela atendeu com a voz embargada de lágrimas que ainda estavam por vir:
- “Alo?” -
- “Você tá aonde?” -
- “No botânico, porque?” -
- “Então fica aí, já chego.” - Disse ele já de pé à caminho da porta.
          Alguns ônibus depois ele chegou, encontrou-a debaixo de uma árvore à beira de um pequeno lago. Ela, com seus cabelos esvoaçados pelo vento, sapatilhas de couro sujas de barro, e uma chamativa blusa vermelha. Sentada, desolada, simplesmente esperando. Ela descobrira-se acometida por um súbito e inexplicável mal estar. Algo estava por vir. Ele a surpreendera por trás, encostando as mãos nos ombros descobertos dela e sentando-se ao seu lado. Não olhava nos olhos dela, simplesmente olhava à esmo em direção ao horizonte. Começou a falar:
- “Sabe, tudo isso se tornou tão insano. Que eu acho que já não está mais me fazendo bem.” -
          Era duro para ele. Esquecer todos os momentos de ternura que tiveram e simplesmete embarcar na frieza para poder seguir adiante. Respirou fundo e continuou:
- “Paz, eu quero paz. Sabe, às vezes eu acho que esse nosso relacionamento já não é mais amor. É só ódio. São tantas brigas, tantos desafetos, tem mais ódio do que amor nisso aí.” - Olhou para ela, viu os pequenos olhos castanhos marejados de lágrimas. - “São tantos conflitos mau resolvidos. Tanta coisa que agente brigou e simplesmente demos por encerrado com um beijo.”
          Parou de falar, ficou alguns segundos olhando para a agua que refletia a luz do sol, ouvindo as árvores balançarem ao vento.
- “O que eu tenho pra te dizer é que não dá mais.” -
          Silêncio. Lágrimas irromperam dos seus olhos. As fazes vermelhas conseguiram dizer apenas poucas palavras a mais:
- “Agente vai ficar na saudade. Mas não dá mais. Todo esse jogo acabou.” -
          Partiu com as suas botas de couro, deixou V sentada, desolada. era o fim. Simplesmente isso. Partiu seu coração.

Napoleão e Belerofonte.


Texto escrito por volta de Dezembro de 2010.


          “Põe na boca. Pega isqueiro. Fogo. Fumaça.” - “Esses movimentos mecânicos.” - Pensou. Depois de uma longa tragada no cigarro pousou a mão sobre o joelho. Estava deitado num velho sofá de couro, com as almofadas rasgadas e puídas. Mas era o seu sofá, não iria desfazer-se dele tão cedo. A cabeça pendia para trás no encosto. Os olhos semicerrados à luz do sol, deixando-o com a vista parcialmente turva. Um braço sobre a cabeça, o outro no joelho. Segurava o cigarro frouxamente pela ponta dos dedos.
          “Põe na boca. Inspira. Solta” - Deliciou-se com a fumaça, que conforme saia de sua boca criava mirabolantes silhuetas que contrastavam à luz. As formas criadas pela fumaça dissipavam-se em segundos, assim como os seus pensamentos. Devaneava sobre infinitas coisas. Pensava, descobria e em seguida esquecia. Divagava sem rumo.
          “Inspira. Solta devagar” - O rádio tocava uma música lenta. Acordeon, percussão, violino e piano. “Essa é aquela nossa música.” - Em sua cabeça ele esquadrinhava cada passo, cada momento. Queria que essa música tocasse em seu casamento. Já tinha tudo pronto em pensamento: Haveria de ser debaixo de um salgueiro. Aquele era o momento deles, tinha de ser tudo perfeito. Lá tocariam as canções que fizeram, um para o outro. Lá trocariam as suas juras de amor. Seria perfeito. Como se o tempo resolvesse parar, para que aquela lembrança ficasse sempre gravada na memória, como uma foto que guarda bons momentos. Queria lembrar cada cheiro, cada segundo das coisas que viu naquele momento. Queria poder guardar para sempre os olhos dela. “Um olhar felino. Não de aparência, mas de atitude. Esguio, sedutor, hipnotizante.” - Queria lembrar desses olhos lhe dizendo sim. “Olhos de ressaca, cigana oblíqua e dissimulada” - Ela era sua Capitu. Sua preocupação. Sua sina. Sua paixão.
          Bateu a cinza no cinzeiro, largou o cigarro pela metade e ficou apenas ouvindo a música. Absorto em sua imaginação esqueceu-se de tudo. O tempo passou, a brasa apagou, e o sol caiu. Ainda trazia na mente o cheiro dela. Cheiro de flores, lhe causava um êxtase momentâneo. Ao abraça-la ia direto de encontro ao pescoço dela, para poder sentir aquele pequeno momento de felicidade. Ele sabia que quando abraçava-a ela inteiramente sua, apenas sua. E ficava lá, durante o tempo necessário. Tempo que para ele era demasiadamente valoroso. Era o seu tempo. “É o nosso tempo.”
          Adormecera. Sonhara com flores. Com salgueiros. Sonhara com ela. Dormira bem, dormira com a sensação de que ela era dele. Dormira com ela.

A velha jaqueta de lã.


Texto escrito por volta de Dezembro de 2010.


          O céu estava cinza, começara a anoitecer há pouco tempo. Ele andava em passos firmes pela rua. Vestia a velha jaqueta de lã, pesada, quente e aconchegante. Calçava os sapatos de bico fino, meticulosamente engraxados, que reluziam à menor presença de luz. Os tacos de madeira dos sapatos tiquetaqueavam à cada passo. No silêncio que imperava ouviam-se apenas seus passos e seu assobio. Assobiava para espantar seus fantasmas. Produzia calmas melodias para desligar os seus pensamentos e por mais efêmero que fosse o sentimento, esquecia-se de tudo por alguns momentos. Ele sentia frio.
          A luz do sol começara a baixar, e tudo tornara-se cinza à luz dos postes. Ele gostava da sensação que era andar por aquele bairro. Gostava do cheiro dos pinheiros, da calmaria das ruas, do som das crianças nas casas. Gostava da sensação de saber que ele pertencia àquele lugar. Após alguns minutos de caminhada uma leve garoa começara a lhe fazer cócegas no rosto. Depois, o vento gelado lhe cortava as faces e zunia em seus ouvidos. Começara a chover. Primeiro pingos finos que produziam estalos ao cair no chão. Depois grandes gotas que caiam e constituíam uma sinfonia de sussurros. Em poucos minutos ele já estava encharcado. Mesmo sua jaqueta protegendo-o da chuva, a água tocava toda a sua pele e roubava todo o calor de seu corpo. Sentia frio, lhe parecera que todo calor de seu corpo estava sendo roubado pela água gelada. Sua alma sentia frio.
          Chegara em passos largos, pingando água na soleira da porta. Ela esparava-o com um largo sorriso. Ele sentia frio. Beijaram-se, ela não ligara que ele estava molhado. Ela abraçou-o e eles, num rodopio, pararam no meio da sala. Não ligavam se ele estava molhado. Ligavam apenas um para o outro. Sentiam um o cheiro do outro, ele cheirando à chuva e roupas limpas, e ela com seu perfume de flores.Em seus abraços, sentiam a pele um do outro. Eram inteiramente um somente para o outro.
          Ele deixou suas roupas no varal. E os dois, entraram debaixo do chuveiro, beijavam-se e abraçavam-se. A água percorrendo os seus corpos à aquecê-los. Ele ainda sentia frio. Ficaram lá, apenas ouvindo um ao outro e à agua que corria por eles.
          Deitaram-se na cama. As roupas dele no varal, as dela ainda molhadas sob o chão do quarto. Na cama abraçaram-se e aninharam-se um no conforto do outro. Ela deitada sob o braço dele e ele com o queixo encostado na testa dela. Ficaram lá até caírem no sono. Dormiram como se tomados pelo sonho de Morfeu. Adormeceram profundamente, suas respirações produzindo leves ruídos. As cobertas lhes davam calor. Ela lhe dava calor. Ele já não sentia mais frio. E ele descobrira que o que sentia não era frio, era o imenso vazio da saudade que ele sentira dela durante tanto tempo.
          Ele já não sentia mais frio.

sábado, 20 de agosto de 2011

V

Texto escrito ao som de muito Vanguart e, portanto, é indispensável a leitura dele ao som dessa banda. Escrito em agosto de 2011.




        E aí tu me falou: "Eu tô cansado desses descoladinhos todos homogêneos que nunca têm algo a mais"; E eu disse pra mim mesmo: "Eu sou aquele cara com algo mais"; Depois, eu te disse: "Tô solteiro". Mas não disse como quem queria alguma coisa. Essa coisa é que foi chegando devagar como quem não quer nada, e assim que entra senta no sofá e põe o pé na mesa. E essa coisa tomou corpo. Na verdade, essa coisa tava sempre lá fora, esperando pra entrar, sempre foi algo latente só esperando pra poder criar forma. E tu me disse: "Sempre foi assim, feito comida de microondas que tá só esperando pra ser esquentada"; E aí eu abri a porta pra essa coisa e ela entrou derrubando tudo. Cresceu, aumentou a intensidade em um tempo curtíssimo, fomentou todo o desejo de 7 dias de conversa que tornaram-se pura espera e agonia. Foi o teu sete ímpar, sete dias das mesmas músicas; "Tirei a flecha do teu colo, cuidei do ferimento ao coração." ; E depois de toda uma semana de espera eu finalmente pude dizer: "Você não têm idéia do quanto eu esperei isso."; Mas na verdade eu sabia que você também tinha idéia, você também teve essa coisa que chegou derrubando tudo.
        E finalmente eu senti você. Toda aquela semana se concretizou em alguns minutos. Primeiro, um beijo demorado. Depois de uma longa caminhada, e muita conversa. E teve uma vez que eu te disse: "Eu quero te conhecer, quero saber cada nuância da tua personalidade, cada traço."; Eu conheci bem de perto teu sorriso. Ouvi atentamente tua voz. Eu queria captar cada momento, guardá-los todos em uma caixa, como uma caixinha de música, eu abro-a e ouço tua voz sempre que quiser. E tu me disse: "Você é um canalha egocêntrico."; E pra mim isso soou como um elogio. Mas no fim, eu soube que você ficava encantada com o sorriso de canalha, depois disso eu não consegui sorrir de outra forma.
        E teve o café, o gosto amargo do meu, o doce do seu. As pernas enlaçadas sobre o sofá vermelho. E eu te disse: "Tudo deveria ser vermelho."; Mas na verdade não, eu só precisava ver o teu batom vermelho, que logo que eu te vi já havia saído dos teus lábios. E depois eu te disse: Tem um cabelo teu na minha roupa."; E você me respondeu: "Têm muitos, e eu estou adorando isso."; Agora, eu posso dizer, com total certeza, que eu não estou adorando os cabelos grudados, eu tô adorando é o teu perfume que ficou na minha jaqueta. "Não tô viciado, quando eu quiser eu paro."
        Tudo isso aconteceu no meio de uma guerra de egos. Eu quero te ver louca, você, quer que eu desça do pedestal. E eu te digo novamente que isso é apaixonante. É o desafio que tu me proporciona, é o sarcasmo das brincadeiras, é a tarde falando sobre filmes e literatura. E depois de um beijo tu falou: "Teu cabelo enroscou no meu."; E nós falamos sobre o clichê de tudo isso, a verdade é que nós não somos clichê algum, eu e você somos muito mais que os relacionamentos homogêneos das novelas. Conosco é: "Teu ego enroscou no meu."; Depois, tu me disse: "Eu não consigo ser romântica, e não consigo reagir à alguém sendo assim comigo."; Só que outra hora, enquanto tu me fazia alguns carinhos tu me disse: "Eu estou acariciando tuas linhas."
        Eu ainda sinto tua pele tocando a minha, a nuca, as costas, os esmaltes escuros que deixam tua mão longilínea, com as unhas arranhando levemente a minha pele, tuas mordidas que marcam o meu pescoço. Eu ainda sinto teu corpo pequeno, as tuas pernas encostando nas minhas, tuas mãos dadas às minhas. Eu ainda ouço tua voz, e vejo teu sorriso.
        Hoje, feito a música, foi só "O céu, você e eu."




"Eu vou te amar como um raio que se opôs ao curso do céu."

78 Rotações.


  Texto que sucede "Ofélia", escrito em agosto de 2011.


       “Eu tirei o coração da gaveta e novamente comecei a escrever.”
       “E essa nossa história é feito um parágrafo inacabado. Quantas palavras faltaram escrever naquelas coisas que eu dizia? Eu era o poeta desesperado e você a imagem encarnada do Arlequim sarcástico. O único problema é que quem foi feito de palhaço foi eu. Só que essa nossa peça uma hora ia acabar. Enquanto eu me rasgava em pedaços você sambava sobre as minhas lágrimas. Quantas vezes eu ainda vou me lembrar disso?”
       Já era noite e ele estava sentado, com a porta aberta, na sacada. Ouvia-se algo no toca discos. Ainda que ele não conseguisse distinguir o tocava ele parou de escrever para prestar a atenção. Do segundo andar ele via as três vias da rua. Era uma movimentada e barulhenta. Ainda assim ele insistia em ouvir o toca discos. - “Não há 78 rotações que me farão esquecer dessa música.” - Ele sorriu. Havia reconhecido a música. Voltou a escrever na pequena caderneta de couro.
       “É irônico lembrar que nós dizíamos que as lágrimas secavam por si mesmo. Lembra quando quando tocávamos essa música no piano? Não, as minha lágrimas ainda não secaram.”
       Já havia passado-se mais de um mês. Agora ele estava na fossa, mas não fora sempre assim. Ele já tivera o seu período de glória orgulhosa e arrogante. Ele odiava estes momentos de si mesmo. Ele queria aquilo, ele queria aquela garota. Mas tivera sido orgulhoso. E agora pagava pela arrogância. 
       “O pior de tudo não é a sensação de impotência que eu sinto. A sensação de querer e não poder mais ‘ter’. É a sensação de arrependimento. É saber que eu tive a chance e eu deixei-a escorrer pelo ralo. E agora cá estou eu, vestindo essa coroa de espinhos sabendo que você não tem nem ideia alguma do que eu estou passando.”
       ” No final eu cheguei à conclusão de que ninguém esquece das coisas de verdade. Alguma coisa vai te fazer lembrar. Pode ser uma música, um cheiro, uma roupa. Foram os cigarros de cravo… “
       “Mas você me ensinou uma coisa boa. Com você eu aprendi a ser cruel. Eu precisava disso. A crueldade me levou à pouco me importar com algumas coisas. Eu me tornei mais egoísta. Eu precisava disso. Eu aprendi com o seu egoísmo.”
       “Eu estou aprendendo a lidar com a minha instabilidade. Os surtos de orgulho a arrogância vem em seguida acompanhados de um lirismo depressivo. Eu tenho que lidar com isso. Nesse meio tempo eu vou preenchendo as páginas da minha caderneta com as coisas que eu escrevo.”
       Ele pontuou a frase, colocou a data e escreveu as iniciais de seu nome. Acendeu um cigarro e fumou enquanto ouvia a música que vinha da sala.
J.D. 19/11/08

Ofélia.

Texto que sucede "isso não é amor", escrito em Maio de 2011.






       Ele até sentiu um nó na garganta quando a música começou a tocar. Conhecia aqueles acordes de cor. A batida do piano. Os sussurros da cantora. O baixo bem marcado. Essa música lhe lembrava aquela garota de uns dois anos atrás. O bar estava cheio. Vozes inflamadas gritavam para serem ouvidas entre si. Ele, sentado em um dos balcões do bar, copo de cerveja pela metade, cigarro frouxamente preso aos lábios, cinzeiro cheio de algumas horas de bitucas. 
       “Você vai ficar aí a noite toda?” - Perguntou o barman de braços fortes, ao rapaz sentado.
       “Não, com essa música não.” - Ele largou algumas notas no balcão. Afundou o cigarro no monte de cinzas e dirigiu-se à porta.
       O ar estava frio lá fora. A névoa já encobrira boa parte das ruas do centro. Aquela noite estava excepcionalmente quieta. Poucos carros nas ruas. Pouca gente sob a luz laranja dos postes. Poucos sons para serem ouvidos. Poucas vozes para serem lembradas mais tarde. Ele acendeu um cigarro, as pontas dos dedos descobertos doíam no frio. Seus olhos estavam semicerrados ao vento gelado. A boca entreaberta à espera da fumaça do cigarro. Caminhava em passos largos sem saber para onde estava indo. Via as luzes vermelhas dos carros passarem zunindo e deixarem um traço incandescente de luz nos seus olhos. 
       “O que é que foi que te deixou assim?” - Perguntou-se. Seu orgulho não admitia que ele estivesse vulnerável dessa forma. - “Como é que essa lembrança pode lhe atormentar tanto?” - Abriu o casaco para ajeitar o cachecol. Segurava o cigarro novamente nos lábios. Um pouco de fumaça entrou seus olhos fazendo-os arder e prejudicando ainda mais a visão. O frio que vinha entre o casaco aberto lhe causou arrepios e tremiliques. - “Você costumava me dar arrepios assim. Mas não eram de frio. Era a sua voz que me deixava assim. Sua lingua de cobra, sarcástica, cáustica, que estava lá sempre me dizendo que não, mas também querendo dizer que sim.”
       Seguiu um caminho a esmo. Foi parar em uma grande praça arborizada. A luz dos postes passava por entre as folhas de grandes carvalhos, e projetava-se no chão. Os galhos balançavam em um balé ritmado pelo vento. - “Logo agora você foi se lembrar dela. Ela já deve até ter se esquecido de você. Você nunca foi importante para ela, senão ela não teria feito o que fez, ainda mais agora, que fazem uns dois anos que você não se fala.” - Sua cabeça fervia em pensamentos, lembranças e lamúrias. O cigarro ficara esquecido entre os dedos, acumulando alguns centímetros de cinzas presas à ponta. Mais uma tragada, longa, já no final do cigarro. A fumaça entrou quente pela sua boca. Seus dedos seguravam o resto do cigarro conforme a brasa ia chegando perto do final. Sentiu uma leve dor nos dedos, e por reflexo largou o cigarro. - “Merda, esqueci dele, queimou meus dedos.” - Olhou a ponta vermelha dos dedos e colocou a mão nos bolsos para aquecer as mãos. Caminhou mais alguns passos sobre as folhas que caíram no outono. O chão de folhas mortas partia-se debaixo dos seus pés. Cada passada era uma nova sinfonia sons de folhas se quebrando.
       Com as mãos dentro do casaco, checou o conteúdo dos bolsos. Carteira. Cigarros. Chaves. Celular. Parou de andar por um instante. - “Não. Você não vai ligar pra ela essas horas da noite.” - Pensou. - “Ah, foda-se.” - Pegou o celular e discou os números que um dia já soubera de cor, de tanto que discara. Chamou. Chamou. Chamou. Ninguém atende. Recolocou o celular no bolso e pegou um de seus cigarros. Era doce. Um dos de cravo. - “Você tem que parar de fumar essa merda. Você sabe porque ainda os fuma. É. A vez que vocês se beijaram ela estivera fumando esse tipo de cigarro. Você fuma porque ainda lembra do gosto doce daqueles lábios. Ironia não? Lábios tão doces e uma língua tão ácida sempre lhe dizendo não.” - Pegou o celular de novo. O cigarro pendia frouxamente nos lábios. Discou para ela. Chamou. Chamou. Chamou. Atendeu:
       “Porra, o que você tá me fazendo ligando essa hora da noite?” - Uma voz agressiva lhe falava ao telefone. Ele ouvia vozes ao fundo e também música. 
       “Eu queria lhe agradecer.” - Disse ele, sem pensar.
       “Você me liga essas horas da noite, interrompe a minha bebedeira e me diz que precisa me agradecer de algo? Você é ridículo. Mas vai. Vá em frente, eu sei que amanhã eu nem vou mais me lembrar disso.” - As palavras demonstravam ainda mais irritação.
       “Eu queria lhe agradecer por você ter me dito não. Queria lhe agradecer por você ter resistido a todas as minhas investidas à você. Durante muito tempo eu quis você. Lhe disse todo o tipo de coisas que um apaixonado podia dizer. Fiz da sua vida um inferno apenas esperando um pouco de reciprocidade nesse meu amor irreal. Esperava que você um dia também me respondesse com um ‘Eu te amo’. Mas não. Sempre foi o contrário. Você sempre me dizendo não. E hoje eu vejo que pra você aquilo tudo não passava de um jogo. Você gostava de ter alguém inflando o seu ego constantemente, gostava de saber que tinha alguém lá louco por você. E quanto mais você me negava, mais eu enlouquecia, mais você gostava. Você foi cruel. E hoje eu vejo que eu não seria feliz com alguém cruel assim. Não conseguiria sustentar um relacionamento frio assim.” - Ela ouvia as palavras dele em silêncio. O som das vozes cessara, provavelmente ela estava dentro de um banheiro, ou algo assim, longe das pessoas.
       “Sabe. Eu te vi hoje. Mas preferi não falar com você.” - Disse ela. - “Eu não quero me lembrar mais de você. Você passou pra mim. Fazem dois anos desde aquele beijo. Faz ainda mais tempo que eu sempre disse não para você. Aquele beijo foi fraqueza minha. Eu não queria. Eu não podia.” - 
       “Você foi cruel demais comigo. Primeiro me ergueu aos céus com aquele beijo. Depois me arrastou para o inferno com toda sua negação. E depois disso, durante muito tempo, você sapateou em cima de todos os meus argumentos, de todos os amores que eu derramava por você. Simplesmente desdenhou de tudo que eu sentira por você.” - 
       “Eu sei porque você lembrou de mim. Você ouvi a nossa música no bar. Eu estava lá. Você não me viu. Eu não queria falar com você pois eu conheço esse seu gênio explosivo e causador de problemas. Você transforma um problema em uma enxurrada de lamúrias. Eu vi que você saiu do bar enquanto nossa música tocava. Eu vi o quanto você ficou perturbado. Depois de tanto tempo você ainda continua o mesmo fraco de sempre.” - 
       “Não, você foi durante tanto tempo cruel comigo. E hoje eu já gastei tudo o que eu podia sentir por alguém. Não amo mais ninguém. Não falo de tesão, isso sim, relacionamentos sensualistas, curtos, apenas prazer. Amor não mais. Você me tornou uma rocha. Dura, fria, sem sentimentos. Eu lhe agradeço por isso.” - 
       “Sabe, eu te amo.” - Alguns segundos de silêncio. A respiração fraca na linha do telefone. - “Você insistiu tanto. E eu sempre orgulhosa. Sempre cruel. Quis brincar com você. Quis ver você na lama por minha causa. Mas a verdade é que eu te amo. Você e esse seu dramalhão de Shakespeare.” -
       “Vai se foder. Quem esqueceu de você agora sou eu. Eu também tenho orgulho.” - Desligou o telefone. Jogou a fumaça do cigarro para o alto e saiu caminhando sobre as folhas quebradiças. 
       “Você me tornou cruel. Me tornou uma rocha insensível e ainda vem me falar de amor. Você é ridícula demais.” - Pensou ele enquanto largava o cigarro de cravo. Acendeu um de seus Lucky Strike, colocou-o na boca e largou a carteira de cigarros de cravo em uma lixeira próxima. - “Eu te esqueci. Sem mais cigarros de cravo. Sem mais Shakespeare. Sem mais dramalhão romântico. Agora eu sou apenas uma rocha.”

Saída.

Texto que precede "isso não é amor", escrito por volta de Julho de 2011



Ele em negrito, Ela em itálico.

       ” ‘E aí, como foi que começou?’ - Me perguntaram uma vez. “
       ” ‘Então, onde foi que você conheceu ele?’ - Aquela menina me perguntou uma vez.” 
       ” ‘Eu me lembro que tinha uma menina.’ - Eu respondi. ‘E essa menina tinha uma amiga.’ - Continuei. - ’ Essa amiga conhecia uma guria. Foi por essa guria que eu me apaixonei.’ “
       ” ‘O Cara apareceu de repente na minha vida, amigo de uma amiga ou sei lá o quê.’ - Eu disse pra ela. “
       ” ‘E foi surreal, foi tão súbito, foi um vulcão.’ - ‘Mas já passou.’ - Eu lhe respondi. “
       ” Ele veio com aquele papo de amor à primeira vista e o caralho à quatro. “
       ” Até o dia que ela me disse que não acreditava em amor. “
       ” Eu precisava de tempo, não queria mais um canalha me iludindo com toda aquela poesia de Fernando Pessoa.”
       ” Eu queria que ela simplesmente acreditasse em mim. “
       ” Eu queria que ele me esquecesse. “
       ” Aí teve o dia em que ela me deu uma brecha. “
       “ Eu tava carente, precisava de um pouco de carinho. E ele achou que já ia entrar pela porta da frente da minha vida. “
       ” Eu jurei pra mim mesmo que ia mudar a vida daquela guria. “
       ” ’ Por que é que você me chama de guria? ’ - Uma vez ela me perguntou - ‘Por que se não for pra te chamar de guria… ’ “
       ” ’ … Eu te chamo de minha vida’ - Eu parei, respirei fundo e pensei. ’ O canalha sabe mesmo como usar as palavras.’ “
       ” Eu queria conquistá-la de qualquer maneira, ela havia se tornado a minha sina. Era obsessão. Já não era mais amor. Será mesmo que não era amor? Era amor demais, paixão demais. E se ela não correspondia eu ficava ainda mais louco. O pior de tudo é quando ela abria os braços, me dizia as coisas das quais eu queria ouvir e depois simplesmente voltava atrás. “
       ” Eu gostava de brincar com ele, eu me divertia. Ele me falava de amor e de paixão, e eu respondia com meias frases tiradas de livros. Mal sabia o que estava falando. Só pra depois desprezá-lo novamente. Era tudo um jogo. Fazia bem para o meu ego. Dar esperanças para o idiota e depois pisar com o salto no peito dele. “
       ” Era doentio. Era cruel. Era sádico. Era apaixonante. “
       ” Era divertido. Era patético. Só que eu comecei a gostar demais. “
       ” Ela fora durante muito tempo o meu programa de domingo. “
       ” Nós costumávamos sair sempre aos domingos. “
       ” Aquilo foi criando corpo, e durante alguns meses nós tínhamos sempre os nossos domingos. “
       ” E ele começou a ser meus sábados também. Minhas segundas. Minhas terças. Por fim ele já era a minha semana toda. “
       ” Ela não acreditava em amor, muito menos em amor à primeira vista. “
       ” Ele me falava em amor à primeira vista, patético, coisa de filme. E aí eu comecei a acreditar que o amor cresce com o tempo. “
       ” Todo aquele nosso tempo juntos fez com que ela começasse a me amar. Devagarinho ela foi aprendendo. Ou será que já fora desde o início? “
       ” E aí eu vacilei. Nós havíamos brigado, eu achei que tudo já tinha acabado. Fora uma briga besta, eu larguei minhas coisas na casa dele e fui embora. Logo à noite um amigo bateu lá em casa. E ficou por lá a noite toda. “
       ” Ela me traiu a primeira vez. Logo depois de uma briga. “ 
       ” No dia seguinte eu liguei arrependida. Ele tinha me feito acreditar no amor. Não seria uma noite com outro que me faria desacreditar. Ele tinha que me perdoar. “
       ” Eu perdoei, talvez por precisar de carinho. Talvez por que tudo que eu precisava em um relacionamento não era a fidelidade e sim simplesmente uma outra pessoa pra mim. “
       ” Na segunda vez eu fiz de canalha mesmo. Amor demais me cansa. É da minha natureza. Eu precisava respirar novos ares. E ele demorou à descobrir. “
       ” Na segunda vez nós ficamos um tempo sem nos falar. E lá foi-se uma semana de desespero. Eu queria ir atrás, queria dizer que havia perdoado. “
       ” Na terceira eu já estava de saco cheio, não suportava mais todo aquele romancezinho. E ele me ligou, disse que havia descoberto tudo e que queria falar comigo. “
       “ Na terceira eu já tinha perdido as esperanças. O que é que ela tanto procurava em outros caras? E fui-me procurar outra guria pra mim também. Se ela pode buscar todo o seu prazer em outros corpos eu também posso. Mas na verdade eu não consegui, larguei tudo pra trás, eu queria é ela. Mas logo depois eu percebi o quanto idiota eu estava sendo. Aquela guria não era tudo pra mim. O mundo estava cheio de outras garotas das quais eu podia me apaixonar. Eu havia cansado de bancar o idiota com uma guria que simplesmente não me amava. Ou me amava pouco. E eu decidi ligar para ela, queria que ela fosse lá em casa para conversarmos.”
       ” No caminho eu me deparei com o panorama de tudo. Eu havia sido uma piranha. Percebi que não valia a pena trocar todo aquele amor que ele me dava por outros caras. Ele havia me ensinado o que que era amor. Depois eu descobri o que era arrependimento. Hoje eu sei bem o que é orgulho. “
       ” Ela chegou lá em casa e eu comecei a despejar as ofensas, toda a minha raiva, toda a minha ira. - ‘ Pelo menos disfarça essas tuas lágrimas ’ - Disse assim que ela entrou porta adentro. “

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Talvez

Escrito por volta de Maio de 2011.



Eu queria um café,

algo pra passar o tempo e esquecer das coisas,

um cigarro, talvez.

Um casaco pra suportar o frio,

algumas cervejas, talvez.

Um sussurro que arrepia na nuca,

aquela música que me lembra você, talvez.

O livro de cabeceira,

o tempo perdido, talvez.

Aquele agosto que não volta mais,

o céu cinza e o gosto de vinho, talvez.

Eu quero esquecer, quero me perder,

me lembrar e depois te achar.

O silêncio e o sorriso de batom vermelho, talvez,

a dúvida e o sarcasmo cruel.

Uma lágrima, talvez.

Talvez…